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PL 2.985/2023: Como a aprovação da lei impacta o mercado do futebol

  • Foto do escritor: Gisele Toretti
    Gisele Toretti
  • há 6 dias
  • 7 min de leitura

O cenário das apostas esportivas no Brasil atravessa um momento de intensa discussão e potencial transformação legislativa. A rápida expansão do mercado, impulsionada pela Lei nº 13.756 de 2018, que criou a modalidade de apostas de quota fixa, popularmente conhecidas como “bets”, trouxe consigo não apenas novas oportunidades econômicas, mas também desafios significativos relacionados à publicidade, ao patrocínio esportivo e à proteção dos consumidores. Nesse contexto, o Projeto de Lei nº 2.985, de 2023, de autoria do Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN), surge como uma proposta radical que visa proibir totalmente as ações de comunicação, publicidade e marketing relacionadas a essa modalidade lotérica. A tramitação deste projeto no Senado Federal acendeu um debate acalorado, colocando em lados opostos preocupações com a saúde pública e a proteção de vulneráveis, defendidas pelo autor do projeto, e os interesses econômicos e a sustentabilidade financeira dos clubes de futebol brasileiros, que se tornaram altamente dependentes dos patrocínios provenientes das casas de apostas. 


Este artigo se propõe a analisar detalhadamente o PL 2.985/23, explorando seus objetivos, a justificativa apresentada pelo Senado, o contundente posicionamento contrário dos clubes de futebol expresso em nota conjunta, e o panorama internacional, comparando a abordagem brasileira com as legislações e experiências de países como Itália, Espanha e Reino Unido, buscando oferecer uma visão abrangente sobre os impactos e as complexidades envolvidas nesta questão crucial para o futuro do esporte e da regulamentação das apostas no Brasil.


Análise Detalhada da PL 2.985/2023

O Projeto de Lei nº 2.985, apresentado em 2023 pelo Senador Styvenson Valentim, propõe uma alteração significativa na Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, que originalmente instituiu e regulamentou a modalidade lotérica de apostas de quota fixa no Brasil. O cerne da proposta reside na modificação do artigo 33 da lei, buscando impor uma vedação completa à veiculação de qualquer forma de comunicação, publicidade ou outras ações de marketing que promovam as apostas esportivas, conhecidas popularmente como “bets”.


A justificativa apresentada pelo autor do projeto fundamenta-se em preocupações de ordem social e de saúde pública. Argumenta-se que, desde a criação da modalidade em 2018 e diante da ausência de uma regulamentação mais detalhada por parte do Poder Executivo no prazo inicialmente previsto, o mercado de apostas experimentou uma expansão descontrolada, caracterizada por um “vale tudo” publicitário. Essa publicidade massiva, veiculada em diversos canais, incluindo redes sociais e patrocínios a clubes de futebol, teria atingido indiscriminadamente todos os públicos, com um apelo particularmente forte junto aos mais jovens.


Corroborando com esse ponto, temos um dado bem importante do Banco Central, publicado na revista Exame que diz que apostadores brasileiros gastaram até R$ 30 bilhões por mês em bets entre janeiro e março deste ano.


O texto da justificação ressalta a mudança no perfil dos apostadores, agora majoritariamente composto por jovens, que possuem acesso facilitado e contínuo (24 horas por dia) às plataformas de apostas através de dispositivos móveis. Essa facilidade, combinada com a possibilidade de publicidade direcionada por inteligência artificial, aumentaria os riscos associados ao comportamento impulsivo e ao desenvolvimento de vícios. 


O senador compara a situação à da indústria do tabaco, cuja publicidade foi vedada pela Lei nº 12.546/2011, argumentando que, diante das incertezas sobre os danos potenciais à saúde mental e ao patrimônio causados pelo vício em apostas, uma medida restritiva similar se faz necessária para frear o alcance das publicidades.


A proposta legislativa é direta: alterar a redação do artigo 33 para que passe a constar: “Art. 33. É vedada a veiculação, em qualquer meio de comunicação, de ações de comunicação, publicidade e marketing que promovam a loteria de apostas de quota fixa.”. Essa redação elimina a permissividade anterior, que condicionava a publicidade às “melhores práticas de responsabilidade social corporativa”, regra que, segundo o autor, vinha sendo “reiteradamente desrespeitada” pelas empresas do setor (Senado Federal, 2023).


É importante notar que, embora o PL 2.985/23 proponha a proibição total, a discussão no Senado avançou com a apresentação de um Substitutivo pelo Senador Carlos Portinho, relator da matéria na Comissão de Esporte (CEsp). Este Substitutivo, embora não acessado diretamente nesta análise, é o foco principal da crítica dos clubes em sua nota conjunta, que o interpreta como uma “proibição fantasiada de limitação”. A tramitação mais recente indica que o projeto, possivelmente com o substitutivo, foi incluído na pauta de reuniões da CEsp, demonstrando que o debate sobre o nível de restrição à publicidade das apostas esportivas continua ativo no Legislativo.


A Posição dos Clubes: Preocupações econômicas e jurídicas

A reação dos clubes de futebol brasileiros ao PL 2.985/23, e mais especificamente ao Substitutivo proposto pelo Senador Carlos Portinho, foi forte e unificada, expressa através de uma declaração conjunta. A nota manifesta “enorme preocupação” e classifica a proposta de limitação à publicidade como uma “proibição fantasiada”, cujas consequências seriam o “COLAPSO financeiro de todo o ecossistema do esporte e, em especial, do futebol brasileiro”.


O argumento central dos clubes é predominantemente econômico. Eles estimam uma perda de receita direta na ordem de R$ 1,6 bilhão por ano caso as restrições entrem em vigor. A vedação específica à exposição de marcas de operadores de apostas em propriedades estáticas, como as placas de publicidade nos estádios, é apontada como um fator crítico que retiraria “receitas fundamentais”. O impacto, segundo a nota, seria severo para os grandes clubes, mas potencialmente “definitivo para a sobrevivência de clubes de menor expressão”, que possuem menor capacidade financeira e dependem proporcionalmente mais dessas fontes de renda.


Além do impacto financeiro direto, os clubes alertam para um iminente “colapso jurídico”. Muitos possuem contratos de cessão de espaços publicitários em vigor, com prazos mínimos de três anos. A aprovação das restrições forçaria a renegociação ou rescisão desses contratos, gerando um cenário de insegurança jurídica e potenciais litígios. Nesse sentido, os clubes veem como um “avanço necessário e construtivo” a Emenda Aditiva apresentada pelo Senador Romário, que busca permitir a publicidade estática ou eletrônica vinculada a espaços comerciais previamente contratados. Acolher essa emenda, argumentam, traria maior segurança jurídica, compatibilizaria a regulação com a realidade contratual das arenas e protegeria direitos de terceiros formalizados, na visão dos clubes.


A nota conjunta também critica a ideia, contida no Substitutivo, de permitir a exposição de apenas uma operadora de apostas por arena, classificando-a como anticompetitiva e benéfica a um único concorrente, sem garantir a proteção efetiva do apostador.


Os clubes fazem questão de afirmar que não ignoram as externalidades negativas do mercado de apostas e que se associam a medidas que fomentem o “Jogo Responsável”. Citam como exemplo positivo o recém-publicado Anexo X do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que regula as mensagens publicitárias do setor. Argumentam, contudo, que a regulamentação geral das apostas (Lei nº 14.790/2023) é muito recente, estando em vigor desde janeiro de 2025, e que seria precipitado adotar medidas tão restritivas sem avaliar os efeitos das normas já existentes.


Por fim, os clubes utilizam a experiência internacional, mencionando o caso da Itália e seu “Decreto Dignità” de 2018, que proibiu a publicidade de jogos. Apontam que a Itália agora considera flexibilizar tais restrições, sugerindo que proibições excessivamente amplas podem não ser a solução mais eficaz a longo prazo. O apelo final é direcionado ao Senado, pedindo “prudência, responsabilidade e preocupação com os danos” que a proposta pode causar ao futebol brasileiro (Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, 2025).


Comparação Internacional: Lições e modelos de exposição de marcas

A discussão sobre a regulamentação da publicidade de apostas esportivas no Brasil não ocorre em um vácuo. Diversos países já trilharam caminhos distintos, oferecendo lições valiosas. A análise de experiências internacionais, como as da Itália, Espanha e Reino Unido, revela um espectro de abordagens que variam desde a proibição total até modelos de regulação focados na proteção do consumidor, com regras específicas sobre como as marcas podem (ou não) ser expostas em uniformes e arenas.


Itália: Representa o exemplo mais radical. O Decreto Dignità, implementado em 2019, proibiu completamente qualquer forma de publicidade e patrocínio de empresas de apostas, impactando diretamente a exposição de marcas. Isso significou a remoção de logotipos de casas de apostas das camisas dos times e a proibição de publicidade dentro dos estádios, incluindo placas de LED. A intenção era combater o vício, mas a medida gerou perdas financeiras significativas para os clubes e, segundo críticos, fortaleceu o mercado ilegal (Souza, 2024). Atualmente, há um forte debate na Itália sobre a possível revogação ou flexibilização dessa proibição, visando recuperar receitas e competitividade.


Espanha: Adotou restrições severas através do Real Decreto 958/2020, efetivo a partir de 2021. A legislação proíbe explicitamente a exibição de marcas de operadores de jogos de azar em uniformes esportivos e também veda que essas marcas façam parte do nome de estádios, equipes ou competições (Baker Tilly Spain, 2021). A publicidade em geral dentro das arenas também é restrita, limitada a horários de madrugada, similar às regras para TV e rádio (BOE, 2020). Embora alguns aspectos gerais do decreto tenham sido contestados judicialmente, as proibições específicas sobre patrocínio em uniformes e nomes de estádios permanecem em vigor (RTVE, 2024).


Inglaterra (Reino Unido): Apresenta um modelo híbrido. Não há uma proibição governamental total, mas sim uma combinação de regras da Gambling Commission e da ASA com autorregulação. O ponto mais notável é o acordo voluntário dos clubes da Premier League para remover patrocínios de apostas da frente das camisas a partir do final da temporada 2025-2026. No entanto, outros espaços, como as mangas dos uniformes e as placas de LED nos estádios, continuam permitidos para publicidade de apostas. Existem também regras estritas para proteger menores, proibindo logos de apostas em uniformes infantis e o uso de jogadores menores de 18 anos em peças publicitárias.


Outras Lições: Além desses três, outros países oferecem insights. Portugal (Decreto-Lei n.º 66/2015) implementou um sistema de licenciamento e tributação considerado eficiente. A França, por outro lado, enfrenta desafios com alta tributação incentivando o mercado ilegal (Souza, 2024). Os Estados Unidos possuem uma regulamentação fragmentada por estado.


Essas experiências internacionais demonstram que não existe solução única. Proibições totais (Itália, Espanha em uniformes/estádios) podem ter efeitos colaterais indesejados. Modelos mais permissivos, mesmo com autorregulação (Inglaterra), ainda geram debate sobre a proteção de vulneráveis. A chave parece residir em encontrar um equilíbrio com regulamentação clara, fiscalização, tributação adequada e foco em jogo responsável, adaptados à realidade local. Para o Brasil, a análise cuidadosa dessas diferentes abordagens sobre a exposição de marcas em uniformes e arenas é fundamental.


Em busca de equilíbrio na regulamentação

A análise do PL 2.985/23 e do debate que o cerca expõe um dilema complexo. De um lado, a preocupação legítima do Senado com a proteção social e a saúde pública. Do outro, o alerta dos clubes sobre um potencial colapso financeiro e jurídico, dada a dependência dos patrocínios e a recente implementação de um marco regulatório (Lei nº 14.790/2023) e normas de autorregulação.

A experiência internacional, com seus diferentes modelos de restrição à exposição de marcas em uniformes e arenas (proibição total na Itália e Espanha versus banimento parcial e voluntário na Inglaterra), oferece um pano de fundo crucial. Mostra que medidas extremas podem ter efeitos colaterais negativos, como o fortalecimento do mercado ilegal e prejuízos ao esporte e a liberação sem controle cria um inimigo à sociedade.



 
 
 

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